Historia de Castelo Bom
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Pré-história
A história de Castelo Bom perde-se no tempo. Apesar de, provavelmente, as terras que hoje compõe a freguesia terem já sido ocupadas pelos mesmos hominídeos a cuja autoria pertencem as gravuras de Foz Côa, ou a anta da Malhada Sorda, o primeiro vestígio fitedigno da ocupação humana de Castelo Bom data da Idade do Bronze. A espada de Castelo Bom, encontrada cravada numa rocha, é um dos expoentes máximos da metalurgia do período do Bronze Médio/Final, e prova-nos que, já por esta altura, o Homem se havia estabelecido num castro próximo da aldeia actual. A espada encontra-se exposta no Museu da Guarda. A 600 metros da aldeia, vestígios arqueológicos apontam para a existência de um castro desta época.
Entre os séculos VI a.C. e III a.C., as Terras de Riba-Côa foram ocupadas por povos de origem celta. Os Lusitanos terão registado uma passagem fugaz pela zona, que terá sido povoada pelos Vetões, servindo o rio Côa como fronteira natural entre os dois povos. Já na altura, Castelo Bom era, então, zona raiana, pertencendo ao município vetónico de Mirobriga (actual Ciudad Rodrigo)
Sepulturas antropomórficas junto à Capela de São Martinho
Da romanização à reconquista cristã
Os Romanos enfrentaram sérias dificuldades na conquista desta região. Os Vetões e os Lusitanos, aliados, resistiram ferozmente aos invasores. Assim, apenas em 152 a.C. o município de Mirobriga passou para as mãos dos Romanos, sendo integrado na província da Lusitânia. Procedeu-se, então, a uma reorganização dos topónimos, sendo que o rio Cuda Côa, fez com que esta zona se chamasse para sempre região transcudana. A romanização trouxe as vias de comunicação e, consequentemente, o desenvolvimento. Ter-se-à estabelecido inclusive um povoado no lugar de Argomil, mais conhecido como Peçomil. Por esta altura, toda a região de Ribacôa foi incorporada na diocese de Civitas Augusti (Ciudad Rodrigo). A decadência do Império Romano levou à invasão de Ribacôa pelos Alanos, no ano 413. O domínio dos Alanos durou pouco, já que foram expulsos pelos Visigodos na segunda metade do século V. As várias sepulturas antropomórficas existentes na freguesia são provavelmente do período visigótico.
Com a invasão da Península Ibérica pelos Mouros, iniciada em 711, deu-se a fuga das populações cristãs para as Astúrias. As Terras de Ribacôa tornaram-se, assim, despovoadas durante alguns séculos. Na época da reconquista, terão sido disputadas entre cristãos e muçulmanos, mas, devido à forte instabilidade, não era possível um repovoamento.
Domínio Leonês
Apenas no século XI, no ano 1039, a região transcudana passa definitivamente para mãos cristãs, ao ser conquistada por Fernando Magno, rei de Leão e Castela. Aquando da sua morte, em 27 de Dezembro de 1065, as suas possessões são divididas pelos herdeiros, sendo que Castelo Bom passa a integrar o Reino de Leão, governado por Alfonso VI. Neste reinado, o território transcudano terá sido repovoado, primeiro sem sucesso por D. Raimundo, e depois, já no início do século XII, com colonos provenientes de Salamanca, Leão e Galiza. Por esta altura terá sido criado o concelho de Castelo Bom, uma assembleia de habitantes da povoação com autonomia para estabelecer normas gerais e económicas. No reinado de D. Urraca, Castelo Bom começa a ganhar importância, devido à sua posição estratégica na fronteira com o Condado Portucalense. No reinado do seu filho Alfonso VII, terá sido atribuído o primeiro foral a Castelo Bom, e ter-se-à iniciado a construção do castelo que, com a paz assinada entre Fernando II e D. Afonso Henriques, vai prosperando e ganhando população.
Lutas transfronteiriças
Castelo Bom encontrava-se, por esta altura, numa posição difícil: domínio leonês, rodeado por árabes e portugueses. A frágil paz entre os dois reinos cristãos foi facilmente quebrada. Em 1170, D. Afonso Henriques faz uma incursão pelo reino de Leão, conquistando as terras até às portas de Ciudad Rodrigo, mas vê-se obrigado a recuar. Em 1171, o então príncipe D. Sancho conquista Castelo Bom, mas a praça é reconquistada pelos árabes, sendo posteriormente recuperada pelos leoneses. Em 1179, D. Afonso Henriques falha nova tentativa de conquistar a vila. Em 1209, o novo rei de Leão, Alfonso IX, reconhece a importância estratégica da vila de Castelo Bom, atribuindo-lhe novo foral, documento que pode ser encontrado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Fernando III perde Castelo Bom para os árabes. D. Sancho II de Portugal reconquista então Castelo Bom, provavelmente entre 1240 e 1245. Porém, a vila caiu novamente em mãos castelhano-leonesas no nos finais do século XIII, durante o reinado de Alfonso X.
E outro si por que me vós partades das demandas que me faziades sobre razon dos termos, que som antre meu Senorio, e vosso por esso me vos parto do ditos Castellos, e Villas, e Lugares de Sabugal, e de Alfayates, e de Castel Rodrigo, e de Villa Maior, e de Castel Boom, e de Almeida, e de Castel Melhor e de Monforte, e dos outors Lugares de Riba Coa que vós agora teendes à vossa maãao, com todas seus Termos, e Direitos, e perteenças, e partome de toda demanda, que eu hei, ou poderia aver contra vós, ou contra vossos successores. (…) E outo si me parto de todo o Direito, ou jurisdiçom, ou, Senorio Real tambem en possissom come em propriedade, come en outra maneira qualquer, que eu hi avia, e toloo de mim todo, e dos meus successores, e do Senorio dos Reinos de Castella, e de Leom, e ponoo en vós, e em vossos Successores, e no Senorio do reino de Portugal pera sempre.
D. Dinis e a consolidação das fronteiras
O novo monarca português, apercebendo-se da importância das praças de Ribacôa para a salvaguarda da independência nacional, torna a conquista de Castelo Bom uma das prioridades do seu reinado. Em 1282, D. Dinis casa-se com a Rainha Santa Isabel e recebe, como dote, Castelo Bom e os seus domínios. A entrada das tropas portuguesas na vila não é pacífica, registando-se pilhagens e a destruição de grande parte das defesas. Começa aqui um novo período da história de Castelo Bom, provavelmente o mais próspero. A 8 de Novembro de 1296, a vila recebe o primeiro foral português. Castelo Bom era então cabeça de um concelho, termo e vigaria, que englobava, para além da vila, os lugares de Vilar Formoso, Freineda, São Pedro de Rio Seco, Naves e Quinta do Abutre (actual Aldeia de S. Sebastião). O monarca manda ainda que todo o castelo seja requalificado. Em 12 de Setembro de 1297, D. Dinis de Portugal, e Fernando IV de Leão e Castela assinam o Tratado de Alcanizes, no qual Castelo Bom assume um papel de destaque, passando definitivamente para as mãos do Reino de Portugal. No seguimento deste tratado, Castelo Bom foi durante algum tempo um dos principais pontos de portagem do Reino na região de Ribacôa. Este clima favorável, associado ao repovoamento ordenado por D. Dinis, fez a vila conhecer um período de prosperidade.
Um castelo remodelado
Apesar da definição das fronteiras, o clima na região continuava tenso. Por isso, as obras de reconstrução da Praça de Armas de Castelo Bom não pararam, prolongando-se pelo reinado de D. Fernando, já no século XIV. A cintura muralhada da vila, da qual várias secções são ainda hoje visíveis, era constituída pela cintura principal e por uma barbacã. A entrada principal da povoação era, tal como hoje, a Porta da Vila. O castelo propriamente dito, de planta irregular, era coroado por duas torres menores e a torre de menagem. No interior do castelo, existia um paço central também de formato irregular. Como cabeça de concelho, Castelo bom vai participar nas Cortes de Santarém, o ponto que marca o início da Crise de 1383-85, apoiando o juramento do casamento de D. Beatriz e João I de Castela. No final do século XIV, o senhor desta renovada vila era Vasco Fernandes de Gouveia. A paróquia de Castelo Bom é, por esta altura, e em virtude do Grande Cisma do Ocidente, transferida para a diocese de Lamego.
Um novo foral
Entre 1509 e 1510, Duarte de Armas, durante o seu trabalho de representação dos castelos fronteiriços portugueses, desloca-se a Castelo Bom. No seu Livro das Fortalezas, podemos ver duas vistas diferentes do castelo na altura. Porém, por estes tempos, o castelo estava a degradar-se, o que leva D. Manuel I, em 1510, a outorgar o Foral Novo a Castelo Bom, onde determinou a reparação do castelo e das muralhas da vila. Os trabalhos iniciaram-se em 1512, comandados pelo mestre de obras João Ortega e pelo pedreiro Pero Fernandes.
Poço d'El-Rei
A Guerra da Restauração
Aquando da Guerra da Restauração (1640-1668), Castelo Bom desempenhou um papel importante na defesa do território nacional. Por esta altura, o castelo era constituído por uma torre abaluartada, onde estava situada a cadeia, sendo defendido por duas peças de artilharia. Na fase mais crítica da guerra, foi, devido à sua extrema importância e à localização estratégica, refúgio para os Governadores da Beira. Foram efectuados melhoramentos no castelo, nomeadamente a construção de estruturas de apoio aos civis em caso de cerco. Neste seguimento, foram construídos o Poço da Escada e o Poço d'El-Rei, que garantiam o fornecimento de água à população da vila em caso de necessidade. A vila era ficava assim mais segura para enfrentar os tempos difíceis que se adivinhavam.
As Invasões Francesas
Já no século XVIII, aquando da Guerra dos Sete Anos, Portugal foi invadido e a vila de Castelo Bom foi cercada e conquistada em 1762. Em Agosto de 1810, aquando da 3ª Invasão Francesa, as tropas napoleónicas cercaram Castelo Bom. Quando finalmente conseguíram transpor os muros, pilharam a vila e destruíram grande parte do seu castelo. A população, com medo da ferocidade das tropas francesas, refugiou-se junto ao rio Côa, de onde assistiram à destruição da sua vila, sem nada poderem fazer. Porém, antes de partir, o povo terá escondido os haveres mais preciosos da Igreja, escavando um buraco numa humilde casa da aldeia, conseguindo salvá-los. No final da invasão, quando o povo voltou à aldeia, o cenário era desolador: as colheitas estavam destruídas, o vinho tinha sido vertido das pipas, a vila estava sem defesas e o riquíssimo acervo do Arquivo Municipal tinha sido incendiado. Os anos seguintes foram de fome e sofrimento para todos em Castelo Bom, que nunca mais viria a conhecer a prosperidade de outrora.
Banco da Antiga Câmara de Castelo Bom (pormenor)
Os Séculos XIX e XX
Em 1801, o concelho de Castelo Bom tinha 1 803 habitantes. Porém, nas reformas administrativas promovidas por D. Maria II, em 1834, o concelho de Castelo Bom é extinto, sendo o seu território incorporado no município de Almeida. Foi o culminar de um período de crise na aldeia, motivado pela destruição aquando das invasões. A partir daqui, a população, pobre, vai destruindo o castelo e o pelourinho aos poucos, servindo-se das suas robustas pedras para reconstruir as suas habitações. Em 1882, Castelo Bom sofre mais um rude golpe: a Linha da Beira Alta é inaugurada, mas não passa na povoação, preferindo o percurso pela Aldeia de São Sebastião e Freineda. A população de Castelo Bom vai diminuindo, atraída para a Freineda e para a Aldeia de São Sebastião, pelo progresso trazido pelo comboio, e para Vilar Formoso, que se torna o centro de serviços principal da zona raiana com a abertura da Estação Internacional e da Alfândega.
No século XX, em 1938, começa a chegar o progresso: é reconstruída a ponte de São Roque e inaugurada a Estrada Nacional 16, que se torna a principal estrada transfronteiriça de Portugal. Entre 1936 e 1939, os tempos sangrentos da Guerra Civil Espanhola repercutem-se na zona, com uma intensa actividade da Guarda Fiscal. As décadas seguintes são marcadas pela emigração, nomeadamente para a França, e pelas migrações internas. As pessoas buscavam uma alternativa à vida dura e pobre da Raia. Em 1946, Castelo Bom é declarado Património Nacional, o que não evita que a Torre de Menagem do castelo seja posteriormente derrubada por um particular que ali pretendia construir um abrigo para o seu burro. Nos anos 80 e 90, são feitos estudos para recuperar as muralhas, e realizadas intervenções pontuais. Em 1991, Castelo Bom é incluída no programa de valorização das Aldeias Históricas, sendo porém retirada da lista à ultima da hora. Ainda assim, foram realizadas intervenções de fundo, que permitiram recuperar a aldeia e torná-la numa das mais belas da Beira Interior.